quarta-feira, 30 de julho de 2008

O Canto da Sereia e o Marinheiro dos Sete Mares.

O Canto da Sereia e o Marinheiro dos Sete Mares.
(Antônio Pompéia)

Era um entardecer que fantasmagoricamente via-se envolvido por uma bruma que impedia uma visão mais ampla do que se alcança um braço adiante da proa do velho navio. Ainda com o olhar enigmático e questionador que se voltava da garrafa de rum, agora vazia, Jimmy Ben Aaron se esforçava para encontrar e conseguir ver de onde veio o primeiro barulho que notara há alguns instantes quando ainda se encontrava no porão.

Já no convés e andando com extrema lentidão para não ser visto de imediato ou assustar o que promovia ou emitia os sons, o primeiro momento se ateve sem respirar, como quem buscasse até dentro de si mesmo o som que era por demais encantador. Primeiramente imaginou que o vento milagrosamente assobiava uma melodia perfeitamente afinada. Deixando-se cada vez mais ser encantado pela leveza do som, aos poucos foi percebendo que era um cântico. Era algo divinamente comparado com uma voz angélica enquanto invadia o coração e a alma do velho marinheiro.

Jimmy era um homem perceptivelmente sonhador em relação a vida no mar. Queria visitar Atlântida, conhecer Netuno e viajar vinte mil léguas em um submarino. Amava a solidão do mar e a reflexão acerca das coisas que não haviam respostas engessadas. Era tão livre por dentro como por fora. E de certa forma gostava de dizer que era filho do vento, que ia para onde ninguém sabe e vinha de onde também ninguém nunca imaginaria. E aquele cântico era mais embriagante do que mil garrafas de rum. A melodia havia encantado a sua alma. E o homem começou a sonhar por alguns instantes até que suas sobrancelhas se levantam na mesma medida que seus olhos são curiosamente fixados numa figura feminina que parecia pairar sobre as águas.

Instantaneamente um vento suave invadiu seu peito e a camisa que era aberta até o meio do seu ventre foi apertada pelas mãos num ato de resistência ao que parecia um toque dos lábios enviado por aquela a quem lhe estava a espreitar e que agora ele já via claramente.

Seus olhos dançaram com os dela por horas a fio. Imaginou suas mãos desembaraçando seus cabelos enquanto ela movia cinematograficamente seu rosto ao contemplar o luar que já apontava para um horário avançado. Cada vez que sua boca se abria, os lábios e a sua voz liberavam uma sinfonia que parecia estar perdida ou aprisionada há milhares de anos dentro do coração. E ele cantava no seu íntimo. De alegria e de tristeza, porque o que é belo sempre enche os olhos de lágrimas e tem um tempo limitado.

Ela achegou-se a ele e ele a ela. Cabelos negros, levemente encaracolados e majestosamente belos. Sua pele branca denunciava o medo do sol ou da luz do dia alto. Suas mãos eram firmes e ao mesmo tempo delicadas como plumas que viajam na valsa da brisa. Seus olhos eram caçadores enquanto os lábios de sua boca eram desenhados com maestria. Era a figura mais próxima da perfeição da beleza.

Sem questionar, talvez pelo medo de resistência mas sabendo que ele se rendia, ela o tomou pela mão e fez menção de que se agradara de seu cheiro. Ela sorriu em sua mente. Ele respondeu em seu coração. Nada mais importava. Estava decidido: iria com ela para onde quer que fosse. Ele deixava naquele instante de ser filho do vento para ser filho do mar, pois naquele exato momento, ele era como um feto que ao invés de sair, entrava para o útero das águas.

Viver, as vezes, é morrer para si mesmo. E a graça que torna o ser em si feliz sabe recitar versos para que a vida seja poética. Palavras e cânticos são ingredientes do encantamento da vida e da esperança enquanto nos mares da vida, do balanço do barco e na força do vento, uma sinfonia é trilha sonora de quem se aventura a conhecer a si mesmo. Viver, as vezes, é morrer para si mesmo e permitir que novamente exista vida no encanto oceânico da alma.

Antônio Pompéia, Rio de Janeiro, 30 de Julho de 2007. 14:48.

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